Sustentabilidade é ótimo negócio para empresas e para a Amazônia também
O combate às mudanças climáticas é um dos maiores desafios já enfrentados pela humanidade. E vencê-lo passa pelo engajamento de todas as esferas da sociedade, inclusive do setor privado. Independentemente do ramo de atuação, as empresas têm força para emergir como uma fonte de inspiração e de transformação profunda. Mas é importante que se diga que o momento é agora. Estamos nos aproximando de um ponto de não retorno. É preciso tomar medidas imediatamente, pois amanhã será tarde demais.
Por isso, é tão relevante que centenas de companhias do mundo todo já tenham se comprometido com a iniciativa “Ambição Empresarial pelo 1,5°C”, do Pacto Global da ONU. Líderes empresariais assumiram o compromisso com os esforços para limitar o aumento da temperatura do planeta a não mais do que 1,5°C, quando comparado aos níveis pré-industriais. Esse é o objetivo do Acordo de Paris, e reforçado pela ciência, que, num relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, de 2018, mostrou ser essencial não ultrapassarmos esse limite para a manutenção da vida.
Ser sustentável não é um custo, mas investimento fundamental. Tais metas atuam em sinergia com a tendência global ao consumo responsável e sustentável, movimento que colocará o Brasil como vilão ambiental se não zerarmos os desmatamentos na Amazônia
Recentemente, seguindo uma tendência de empresas em todo o mundo, JBS e Klabin endossaram esse coro, que já contava com empresas brasileiras como Ambev e Natura. Microsoft, Nike, Starbucks e Schneider Electric já anunciaram seus compromissos, mais ou menos ousados, para zerar o balanço de suas emissões de gases de efeito estufa antes de meados do século. Em comum entre elas: estabeleceram metas baseadas na ciência, vão amparar seus esforços em metodologia científica e garantir transparência no processo. Esse aspecto é determinante porque o real atingimento dessas metas ambiciosas concederá credibilidade à jornada dessas companhias e permitirá que sirvam de exemplo para outras.
Iniciativas privadas podem influenciar e promover ações concretas. Com isso, não apenas fazem sua parte pelo planeta, como promovem a sustentabilidade e a competitividade de seus próprios negócios. Essas empresas compreendem que ser sustentável não é um custo, mas um investimento fundamental. Tais metas atuam em sinergia com a tendência global ao consumo responsável e sustentável, movimento que colocará o Brasil como vilão ambiental se não zerarmos os desmatamentos na Amazônia.
Somente nesse bioma, ao menos um quarto da área desmatada fica abandonada. É possível avançar, justamente aí, para a restauração e o reflorestamento. Essa meta, por sinal, já faz parte do Plano de Mitigação das Mudanças Climáticas do Brasil e do Plano de Recuperação da Vegetação Natural. Em outros biomas também é possível caminhar no ritmo do Plano de Recuperação da Vegetação Natural. Em outros biomas também é possível caminhar no ritmo do Plano de Agricultura de Baixo Carbono, em que o manejo integrado de lavoura-pecuária ou lavoura-pecuária-floresta tem um papel a desempenhar. Em um modelo mais sustentável, a produção de bovinos pode passar de cerca de 80 quilos de carne por hectare por ano para mais de 400.
A essas iniciativas cabe o olhar da oportunidade pelas empresas privadas, que tanto buscam a autossustentabilidade em suas respectivas áreas de atuação: a produção agropecuária pode aumentar com significativa redução da área utilizada, permitindo enorme restauração, diminuindo o risco de savanização da floresta amazônica e removendo grande quantidade de gás carbônico da atmosfera.
O ponto fundamental aqui é que a Amazônia, que está diante de um ponto de não retorno, não é um entrave ao desenvolvimento socioeconômico. Em pé, a maior floresta tropical do planeta também gera riquezas, tem um imenso potencial. É preciso, para isso, impulsionar a bioeconomia.
O economista britânico Partha Dasgupta definiu a economia da biodiversidade como a “economia de toda a biosfera”. Segundo ele, adotá-la globalmente é estratégico para superar a crise climática. Já a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) refere-se à bioeconomia de forma ampla, como “produção, utilização e conservação de recursos biológicos, incluindo conhecimento associado, ciência, tecnologia e inovação, para o fornecimento de informações, produtos, processos e serviços para todos os setores econômicos, visando uma economia sustentável”.
A Amazônia tem o potencial de ser o seio de enraizamento da bioeconomia de floresta em pé do mundo. Lá deverão nascer as primeiras potências ambientais da sociobiodiversidade. O censo agropecuário de 2017 do IBGE mostrou claramente o alto valor econômico por unidade de área utilizada dos produtos da floresta, como açaí, cacau e castanha, em sistemas agroflorestais que mantêm a maioria dos serviços ecossistêmicos, como armazenamento de carbono, e expressiva biodiversidade.
Considerando a imensa biodiversidade da Amazônia, o conceito de bioeconomia da FAO deve ser expandido para abrigar o uso sustentável dos recursos biológicos – conservar os ecossistemas terrestre e aquático, valorizar o conhecimento tradicional e promover a economia circular.
Esse é o desafio do projeto Amazônia 4.0, que busca demonstrar a viabilidade da integração das modernas tecnologias da Indústria 4.0 à Amazônia, produzindo itens de qualidade através do uso de energias renováveis, emissão líquida zero de gases do efeito estufa e reciclagem completa dos resíduos. É, também, importante premissa do Fundo JBS pela Amazônia, iniciativa da JBS para financiar a proteção da floresta e o desenvolvimento sustentável das comunidades que nela habitam.
Em outra ação privada, os bancos Itaú, Bradesco e Santander instituíram o Plano Amazônia, em que se destacam três frentes prioritárias: a garantia dos direitos básicos da população da região, o investimento em infraestrutura sustentável e a conservação ambiental e desenvolvimento da bioeconomia.
Presente em todos os programas voltados para o bioma, a implementação em escala dessa nova bioeconomia deve proteger a floresta não perturbada, zerar desmatamentos e reflorestar grandes áreas desmatadas e degradadas, ao mesmo tempo em que permitirá agregar valor às cadeias produtivas locais, por meio da industrialização. Isso resultará na geração de melhores empregos rurais e urbanos.
As iniciativas de grandes companhias frente à emergência climática e as perspectivas para a bioeconomia na Amazônia, beneficiando os povos da floresta, demonstram que a sustentabilidade socioambiental é crucial para a Terra e representa um universo de oportunidades para quem tiver visão de futuro.
Carlos A. Nobre é pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, é integrante do Conselho Consultivo do Fundo JBS pela Amazônia e também do Conselho da Amazônia dos bancos Bradesco, Itaú e Santander.
Fonte: Valor Econômico