Plantios no oeste da Bahia devem se expandir e têm o potencial de levar o País a produzir 100% do que consome

O cacau, cultivo predominante no sul da Bahia, na Mata Atlântica, e também no Pará, na Floresta Amazônica, vem desbravando outro bioma: o Cerrado, mais especificamente o situado no oeste baiano.

Uma dessas iniciativas de plantio, em uma região que até então estava voltada aos grãos e um pouco de café irrigado, situa-se no município de Riachão das Neves, onde 400 hectares com 572 mil pés de cacau são cultivados pelo grupo Schmidt – que já produz por ali grãos, algodão e banana.

Em oito anos, o grupo prevê expandir a lavoura de cacau para 4 mil hectares, com 6 milhões de pés. À frente do projeto iniciado em 2019, está o agricultor Moisés Schmidt, sócio-proprietário do grupo.

Cultivo complementar

A etapa piloto, de 2019 a 2021, exigiu aporte de cerca de US$ 10 milhões e o desenvolvimento de mudas próprias para a região. “Buscávamos uma alternativa de cultura que completasse o investimento em banana e diversificasse nosso portfólio de fruticultura, mas que não fosse perecível e pudéssemos estocar. Por isso apostamos no cacau, que pode ter parte plantada sob a sombra das bananeiras e permite armazenamento”, conta Schmidt.

A demanda crescente pela amêndoa no cenário nacional e internacional e a rentabilidade em sistema de alta produtividade também motivaram o investimento. “No sistema tradicional, é uma cultura que não anima muito, pela baixa viabilidade financeira. Mas em cultivo a pleno sol, o rendimento supera 3.750 kg por hectare”, conta.

Segundo o produtor, a alta produtividade das lavouras já despertou interesse das maiores empresas compradoras de amêndoas de cacau que atuam no País. A principal diferença entre o modelo do oeste baiano, bioma Cerrado, e o sistema adotado no sul do Estado, bioma Mata Atlântica, é o cultivo da fruta a pleno sol, enquanto no sul é plantada em sombreamento consorciado com a floresta, explica o diretor da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura, Waldeck Araujo Junior. “Não é uma região tradicional de cacau. É uma área que exige maior adubação e irrigação”, afirmou.

Diferenças

Vice-presidente administrativo financeiro da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb) e também produtor de cacau, Guilherme Moura cita como diferença o modelo menos intensivo da cacauicultura do sul. “O cacau do sul é plantado no sistema de cabruca, com custo de produção menor e menor uso de insumos. No Cerrado, o modelo é irrigado, de maior produtividade e maior custo”, explica o produtor.

Embora de alto rendimento, ainda há projetos incipientes no Cerrado baiano, a maioria sob a sombra de bananeiras, conforme a Ceplac, somando apenas 600 hectares – ante 400 mil hectares de cacau plantados em terras baianas. “É uma área pequena, mas tem possibilidade de expansão muito grande como diversificação da cadeia agrícola. É um movimento vindo de grupo restrito de grandes produtores, de 30 a 50, que atuam de maneira empresarial com o máximo uso de tecnologia e de mecanização”, disse Araujo Junior.

Alto rendimento

A Ceplac prevê que as lavouras de cacau possam ocupar de 5 mil a 6 mil hectares nos próximos três a cinco anos no Cerrado da Bahia. Outro fator que estimula o plantio por ali é a produtividade: de 1.500 a 3.000 quilos de amêndoa por hectare no oeste baiano, ante a média de 300 kg no sul baiano e 600 a 700 kg por hectare do Pará.

Entre os desafios para a expansão, o diretor da Ceplac cita a necessidade do desenvolvimento de tecnologias específicas para o Cerrado baiano e o monitoramento de pragas e doenças que possam vir a surgir nessa região – hoje imune à principal praga do cacau, a vassoura-de-bruxa, que dizimou plantios no sul baiano. Atualmente, o plantio é restrito a duas cultivares, complementa.

Moura considera que, independentemente do tamanho atual das lavouras no Cerrado baiano, o cultivo de cacau no oeste do Estado tem um fator importante de ruptura de paradigma. “O cultivo do cacau em outro bioma a pleno sol traz possibilidade, se der certo, de alavancar a produção brasileira no cenário mundial. Os resultados são muito promissores e, como é uma cultura de ciclo longo, precisamos observar como vai maturar nos próximos anos e se os desafios serão superados.”

Consorciação com baru

Outro projeto em desenvolvimento no Cerrado baiano, o Cacau1000, está sendo liderado pela cooperativa Coopercacau em parceria com a Ceplac, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Cargill. A cooperativa prevê alcançar 1,2 mil hectares semeados em três anos e potencial produtivo de 3 toneladas por hectare em quatro a cinco anos.

O cultivo envolverá mil agricultores familiares em plantio consorciado com sombreamento com baru, outra fruta do Cerrado. Conforme a Ceplac, o cultivo ainda não se iniciou e a cooperativa busca financiamento para o projeto.

Parceria para expandir cultivo

O potencial de crescimento da cacauicultura no oeste baiano chamou a atenção da gigante de commodities agrícolas Cargill. A trading firmou uma parceria com o grupo Schmidt, do município baiano de Ribeirão das Neves, para o avanço da implementação da cultura do cacau na região.

“Buscamos estimular a produção e a produtividade de cacau. Não é nosso objetivo ser produtor de cacau, mas sim fomentar modelos tecnológicos e de negócios que possam ser replicados. Vemos um potencial enorme nessa região porque ainda há muita área a ser explorada”, contou o diretor do Negócio de Cacau e Chocolate da Cargill no Brasil, Laerte Moraes.

Pelo acordo, a Cargill investirá, juntamente com o grupo Schmidt, no financiamento da lavoura e também vai adquirir a produção de cacau do grupo a preços de mercado, a qual usará na produção doméstica.

A meta é semear 400 hectares ao longo de cinco anos – aproximadamente 40 hectares já estão sendo plantados. O potencial produtivo é de 4 mil quilos de amêndoas colhidas por hectare.

Cada uma das empresas investirá US$ 5 milhões nos próximos cinco anos para o projeto, o que já vem sendo aportado, segundo Moraes. “Estamos indo com cautela, mas os resultados obtidos têm nos surpreendido. Vamos acelerar conforme a tecnologia for se provando viável”, afirmou o executivo.

Complementaridade

Os especialistas não veem competição entre o cacau cultivado no Cerrado baiano e o do sul. Eles afirmam que há mercado e demanda para ambas as commodities, e que a perspectiva é de diferenciação das amêndoas em propriedades organolépticas, sensoriais e de terroir e que o cacau de cabruca pode ser comercializado com adicional de serviço ambiental, por ser produzido em consórcio com floresta.

O bioma da Caatinga e as regiões de Eunápolis (sul da Bahia), oeste de São Paulo e no Cerrado de Roraima, Mato Grosso, Acre e Rondônia também despontam na atividade. Todas as ampliações miram colocar o País de volta no trilho da autossuficiência em cacau, o que deve ocorrer entre 2025 e 2026 com produção anual de 300 mil toneladas da amêndoa, estima a Ceplac.

 

Fonte: Estadão

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