Isso só será possível com estatísticas mais precisas, maior integração entre agricultores e indústrias e ampliação de investimentos, aponta trabalho da Fiesp

 

Se almeja recuperar o protagonismo de outrora, a cadeia produtiva do cacau do país deve concentrar esforços em ampliar a produtividade das plantações, e isso só será possível com estatísticas mais precisas, maior integração entre agricultores e indústrias e ampliação de investimentos em manejo e tecnologias.

Simples no papel, mas de execução complexa, a receita está estampada no estudo “Agronegócio do Cacau no Brasil”, recém-concluído pelo Departamento do Agronegócio (Deagro) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com apoio da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab) e da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

Como já reinou nesse mercado nas décadas de 1960 e 1970, é hora de recuperar a majestade. Crescente entre 1961 e a década de 1980, quando alcançou 619 quilos por hectare, a produtividade média das lavouras desabou desde então, numa espiral que teve reflexos sobre área plantada e produção (ver infográfico). Com isso, a participação da produção brasileira no mercado global caiu de entre 12% e 19%, em média, nos anos 1960, 1970 e 1980, para 10% nos anos 1990 e para apenas 5% nas últimas duas décadas.

O trabalho da Fiesp lembra que a debacle está diretamente relacionada à devastação provocada pela vassoura-de-bruxa nas plantações da Bahia, que então liderava a produção nacional, no fim dos anos 1980. “A questão fitossanitária teve forte impacto no segmento. E os preços internacionais, que registraram salto nos anos 1970, se estabilizaram em baixos patamares, o que aprofundou o desestímulo”, diz Antonio Carlos Costa, superintendente do Deagro e dos departamentos de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) e Desenvolvimento Sustentável (DDS), de Fiesp e Ciesp.

Para a baixa das cotações, colaborou, em boa medida, o avanço da produção nos países do oeste da África que atualmente lideram o mercado global, sobretudo a Costa do Marfim. Diante da conjunção formada por vassoura-de-bruxa e preços, reforça Laerte Moraes, presidente do conselho da AIPC, o Brasil não conseguiu manter uma produção atrativa – o país se tornou, inclusive, importador líquido da amêndoa.

Mas nem tudo está perdido para o cacau brasileiro, que conta com mais de 93 mil estabelecimentos produtores, segundo o IBGE, e cujo valor bruto da produção (VBP) foi de quase R$ 4 bilhões em 2020, conforme o Ministério da Agricultura. E o avanço da cultura no Pará nos últimos anos alimenta expectativas e inspira iniciativas de ganhos de eficiência na Bahia. Os dois Estados, sob a liderança do Pará, respondem por 94% do VBP do cacau no país.

Entre 2011 e 2020, destaca o estudo da Fiesp, a área plantada paraense cresceu 76%, para 150 mil hectares, a produtividade média saltou de 750 para 964 quilos por hectares e a colheita aumentou 126%, para 144 mil toneladas. Com isso, o Pará evitou a queda da produção no Brasil, onde a área total diminuiu, puxada pelo encolhimento baiano.

Ninguém discute o flagrante avanço do Estado do Norte, mas há divergências entre as estatísticas oficiais, notadamente as do governo estadual, e os números das indústrias processadores sobre a produção paraense. Em 2020, a diferença entre o volume do IBGE e o recebido pelos processadores se aproximou de 90 mil toneladas. Na média da última década, superou 61 mil.

Mais do que resultar em uma conta que não fecha, a incongruência é terreno fértil para desconfianças na cadeia produtiva e dificulta a integração em algumas regiões. O tema está vivo em fóruns setoriais e em discussões com o governo, mas há poucos sinais, em Brasília, de harmonização no curto prazo. De maneira geral, porém, os elos da cadeia tentam se fortalecer, e vários programas mantidos por empresas auxiliam produtores nos principais polos, com assistência técnica e orientação sobre práticas sustentáveis.

No Brasil, como é forte a demanda por pó de cacau, é esse ingrediente de biscoitos e bebidas que puxa as importações de derivados da amêndoa. É maior a oferta doméstica de manteiga e líquor, as bases do chocolate. Nesse contexto, as três associadas da AIPC (Cargill, Barry Callebaut e Olam) respondem pelo recebimento de 95% do cacau produzido no país e têm capacidade instalada para processar 275 mil toneladas por ano. O VBP industrial supera R$ 2 bilhões por ano.

É de particular interesse da indústria instalada no país ampliar a oferta nacional, evidentemente, ao mesmo tempo em que as tendências de consumo do segmento de chocolates e outros produtos de cacau são acompanhadas de perto, no Brasil e no exterior. No mercado interno, é bem verdade, o principal motor do consumo, que ainda é relativamente baixo (3,5 quilos por habitante ao ano), é a renda, e nessa frente o horizonte é turvo. Mas existem boas oportunidades para as exportações, de acordo com o estudo da Fiesp.

“Em parceria com a Apex-Brasil, temos feito esforços para conquistar novos mercados, levando-se em conta que já chegamos a 145 países. A Turquia, nossa concorrente, tem acordos com países da Ásia, por exemplo. Precisamos avançar nas negociações”, diz Ubiracy Fonseca, vice-presidente do setor de chocolates da Abicab. As exportações representaram 4% da produção da área de chocolates em 2020. As importações, 2%. “Se resgatarmos a produtividade, com sustentabilidade e novas tecnologias, poderemos avançar. Para o longo prazo, estou otimista”, conclui Laerte Moraes, da AIPC.

Por Fernando Lopes

Fonte: Valor Econômico